terça-feira, 25 de abril de 2023

Críticas - REPULSA AO SEXO (1965)

Dirigido por: Roman Polanski 


  O que falar sobre os filmes intimistas? Falamos sobre Scorsese, na crítica de O Rei da Comédia, o diretor que melhor usa esse elemento em seus filmes. Intimismo, é pura e simplesmente ver o mundo com outros olhos. No caso dos filmes, ver o mundo pelos olhos de um personagem. Isso não é fácil. É preciso ter um conhecimento muito profundo e seguro. Além de exigir bastante das atuações. E claro… um talento puro e exponencial do diretor. Que tem a dura missão de ser os olhos de um ser humano. Mas… para Roman Polanski e Catherine Deneuve, isso não é problema. Ambos brilharam e fizeram essa obra de arte.

  O que há nos recônditos da mente de um ser humano? Nossa espécie é muito complexa! De cara, temos o fato de que 90% de quem somos, está escondido. Nós não mostramos. É nosso subconsciente. Está lá nos cantinhos. Os 10% são na verdade os reflexos de quem nós realmente somos. Então, imaginem o trabalho que foi para Roman Polanski, entrar na mente de uma doente mental, que tem problemas psicossexuais? Percorrer cada detalhe de seus pensamentos… dar luz aos 90% que ninguém vê, apenas Carol… apenas a garota que sofre com esses traumas terríveis… Devo dizer… deve ter sido muito trabalhoso. Mas o resultado… foi simplesmente perfeito.

  O início do filme, já nos dá o sinal claro de se tratar de uma história intimista. Os créditos iniciais passam, enquanto atrás temos o olho de Carol. Muitos filmes que utilizam o intimismo, usam esse enquadramento para guiar o espectador. Explicá-lo que tudo que ele verá, será através da visão de um olhar específico. O filme A Primeira Noite de um Homem, também se utiliza desse início. Vemos Carol (Catherine Deneuve). Seu rosto. Muito bonito, por sinal. Ela mora com a irmã, em um ambiente independente e feminino. Elas tem o próprio espaço, e Carol se sente a vontade assim. Ela trabalha no salão de beleza, como manicure e estava sendo cortejada por um rapaz bonito e educado. Apesar de seu jeito recluso e introspectivo, ela parecia a vontade com o rapaz.

  Porém, Polanski começa a explorar um cantinho de sua mente. Enquanto caminha na rua, voltando do trabalho, ela recebe cantadas de trabalhadores, que estavam reformando uma calçada, que estava rachada.

Tudo parecia ir bem na vida de Carol, apesar ainda dos problemas de reclusão. Porém, tudo começa a desmoronar, com a chegada do namorado da irmã. Carol, claro, não gosta. Sente que é uma mudança muito repentina na vida das duas, que ela achava equilibrada. E a gota d´água, é quando o namorado da irmã começa a dormir na casa. Carol não consegue dormir com os barulhos dos dois fazendo sexo e se remexe na cama.

  O namorado, percebendo o humor recluso de Carol, alerta sua namorada, indicando que ela precisa de um médico. Carol gosta de olhar freiras jogando bola pela janela. A irmã planeja assar um coelho que acabou deixando na geladeira, após mudanças de planos. Carol alertou sua irmã sobre uma rachadura na parede.

  Ok. Disse essas fatos desconexos, por uma razão. Esse filme, utiliza de muitos simbolismos. Lembre-se, somos a mente de Carol. Os 10%... e também os 90%. Tudo piora, no momento em que a irmã decide viajar com o namorado. Aí que o filme realmente começa. Porque agora, Carol está sozinha na casa. E juntando os fatores; o assédio que recebia na rua, o namorado tentando avançar, apesar de suas recusas, o trabalho de manicure, as rachaduras nas paredes, o coelho na geladeira, a camisa que o namorado da irmã deixou no chão e sua própria presença nos últimos dias... o que acontece? Carol perde de vez a razão. E esse é um momento muito importante do filme, porque agora entramos de vez no subconsciente dela.

  Sua recusa pelo pretendente aumenta ainda mais. Ele a beija, mas ela foge em seguida e limpa a boca. Porque ela o recusa tanto? Ele é tão educado. Não é como os pedreiros na rua, consertando as rachaduras… rachaduras. Aos poucos, todas as noites, Carol ouve os barulhos de sexo no outro quarto, e vê as paredes rachando. Ela tira o coelho da geladeira e o deixa em um banco. O que acontece com um coelho morto fora da geladeira? Ele fede… mas ela não parece se incomodar com isso. Carol começa a ter um comportamento cada vez mais infantil, ainda mais recluso e ainda mais perturbador. Como na cena em que ela corta a cabeça do coelho e joga na bolsa da amiga de trabalho. No trabalho, suas confusões mentais passaram a ser incontroláveis. Ela acaba cortando o dedo de uma mulher. 

  E tudo vai piorando. Ela mergulha cada vez mais numa profunda perturbação. As rachaduras aumentam e aumentam. Nas noites, ela começava a ver os trabalhadores na rua entrando em seu quarto e transando com ela a força. É uma das cenas mais assustadoras que eu já vi. Ela já está completamente desequilibrada… seu pretendente, preocupado, vai a casa dela e arromba a porta. Tentava conversar, acalmá-la, enquanto insistia também em tê-la como namorada. Porém… ela o mata. O colocando na banheira.

  E segue-se. As rachaduras aumentam cada vez mais. O pedreiro, todas as noites, invadia seu quarto. Com o coelho ao lado, ela passa a camisa que o namorado da irmã esqueceu, com o ferro desligado. E nesse momento, a direção de arte e direção brilham ainda mais. A própria casa, agora tinha um aspecto onírico. Lembrando muito os filmes do expressionismo alemão, inclusive. Enquadramentos em que Carol não parece caber no local, onde ela tem que se curvar, as paredes da sala alongadas, dando a impressão de terem um comprimento infinito... Polanski brilhou nesses enquadramentos. Perfeito! E a cena principal do filme, é quando ela atravessa o corredor que parece interminável e que se encurtava cada vez mais, e as rachaduras na parede se abrem de vez, onde mãos começam a sair das rachaduras, enquanto Carol tentava atravessar. As mãos a tocam, a molestam… outra cena perfeita e assustadora no ponto certo. 

  Ela acaba cometendo outro assassinato. Dessa vez, é o senhorio do apartamento. Que lhe fez a proposta de esquecer os aluguéis, se ela lhe satisfizesse. Ela o mata sem pudor. Antes, eles tiveram um papo e o senhorio olhava a foto da família no canto.

  Que atuação assustadora da grandíssima atriz Catherine Deneuve. Sem dúvidas, ela está no hall da fama do cinema mundial e o que ela fez nesse filme, foi arrebatador. Ela deu o corpo, a alma… tudo! Nesse personagem tão profundo, tão incrível e tão perturbador. Seus olhos… o que ela fez com os olhos nesse filme. Até porque, como vimos no início, eles são principal personagem do filme. Eles estão guiando a história. Então, ela precisava atuar com os olhos principalmente. E ela o fez. Brilhantemente.

  Polanski é genial. Três filmes que eu assisti dele, que ficaram na minha memória: Repulsa ao Sexo, O Inquilino e O Bebê de Rosemary. Os três tem em comum a ótima direção e roteiro. São histórias muito boas, com plot twists, muito bem guiadas e… com o final arrebatador.

  Carol entra em colapso final e desmaia, como se estivesse em coma eterno.  Nesse momento, chegam na casa sua irmã e o namorado. De cara ela sente o cheiro do coelho, o ferro fora do lugar, a bagunça na sala e… o corpo morto na banheira. Enquanto a comoção era feita, com muitos vizinhos aparecendo e acodindo Carol, o namorado da irmã a pega pelos braços e a leva para um outro quarto, soltando um sorriso malicioso. E aí vem o final maravilhoso. Agora que ela está com os olhos fechados, Polanski passa pela sala, mostrando cada detalhe daquela última semana. A bagunça, biscoitos no chão… até que ele chega a foto de família. E a câmera dá um close. E se aproxima… aproxima… Lá está Carol criança de pé e a certa distância um homem sentado. E o close aumenta até chegar ao rosto de Carol… até chegar a seus olhos… que paralisaram, aterrorizados olhando para o homem sentado… olhando para seu pai. Polanski… que história maravilhosa. Bem amarrada, bem contada… Simplesmente brilhante!


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