Dirigido por: Martin Scorsese
Esse gênio do cinema mundial, sempre nos faz refletir em seus filmes sobre nossa própria existência. Scorsese toca e enfatiza em seus personagens principais o pior lado do ser humano. Nosso lado animalesco e selvagem. Em The King of Comedy, ele nos deixa uma incrível reflexão: Até que ponto você iria, para conhecer alguém famoso, que possa ajudá-lo a realizar um sonho? Você se misturaria entre fãs enlouquecidos? Invadiria o carro dele/a? Invadiria seu local de trabalho? Invadiria sua casa? Cometeria um crime? Iria preso?
Sei que várias pessoas, pararam na segunda pergunta. Mas, quantas vezes nós não nos fizemos essa pergunta? “Se meu sonho é tão importante, eu faria qualquer coisa para realizá-lo?” Eu lhe digo uma coisa, caro leitor: muita gente passa da segunda pergunta. Talvez não vá até a última, mas… muitas pessoas, nessa selva de pedra em que vivemos, ultrapassam todos os limites, para conseguir vencer. Realizar um sonho. Claro! Scorsese nos mostrou um ser humano sem nenhuma limitação moral, como é comum em seus filmes. Rupert Pupkin (Robert De Niro).
Como disse, Scorsese sempre mostra o pior lado do ser humano. E suas histórias em geral são trágicas. Seja moralmente, ou fisicamente. Nesse caso, moralmente. As perguntas do primeiro parágrafo, foram respondidas por Rupert. Mas desde o início, estava muito claro que o protagonista estava convicto do que queria. Ele queria um espaço no programa de Jerry Langford (Jerry Lewis), no The Tonight Show. Todo comediante americano, sonhava com 5 minutos nesse programa, que existe de verdade. Nas primeiras cenas, Rupert está entre vários fãs enlouquecidos, que queriam um autógrafo, ou até o mesmo que Rupert. Quando Jerry foi para o carro, havia uma fã dentro, Masha (Sandra Bernhard), que também é outra fã quase do nível de Rupert. Quase.
O uso da câmera lenta, no momento em que Jerry aparece na multidão, é sensacional. Scorsese usa muito o intimismo em seus filmes. Ele permite que nós olhemos o mundo, através da visão do protagonista. Enquanto todos estavam extasiados com a presença do famoso apresentador, Rupert o viu… em câmera lenta. O que denota frieza, calcularidade. Como disse: Rupert sabia exatamente o que estava fazendo.
Martin Scorsese é um diretor que também não se preocupa em esconder informações. Suas histórias tem linearidade, por serem caminhadas trágicas. Martin enfatiza minuto a minuto, que o protagonista é um ser imoral. E que está caindo em desgraça. Nas primeiras cenas, que é justamente o momento de base do filme, Scorsese já nos diz que Rupert é doido. Tem alucinações, fala sozinho. Ok! Quem nunca se imaginou recebendo um Oscar? Quem nunca falou consigo mesmo no espelho, treinando para uma importante reunião? Sim! Todos nós fazemos isso! Porque nós somos seres humanos. Nós sonhamos também. Mas o diretor americano deixa claro nas cenas em que Rupert ensaiava para quando estivesse no programa de Jerry, que o protagonista está além do normal. Era um foco, uma atenção, uma determinação, que chegou à loucura. E para não termos dúvidas, Martin nos coloca dentro das alucinações de Rupert. Como falei: Scorsese não se preocupa em dar informações sobre seu protagonista.
E aí, à medida que as perguntas do primeiro parágrafo vão sendo respondidas, há sinais muito interessantes no figurino e na direção de arte. A cor vermelha começa a aparecer. No filme, o aumento da cor vermelha significa perda de moral. Antes víamos azul, amarelo, verde… mas o vermelho começava a ficar presente. Pela primeira vez, quando ele foi expulso do estúdio do programa. E esse vermelho vai aumentando… aumentando. Até que vemos um quadro vermelho, com uma espécie de poça no meio. Sangue derramado. E Rupert, mesmo nessa caminhada, aumentando o nível de sua imoralidade, selvageria, ele permanece calmo, frio… assim como vimos lá na primeira vez em que ele viu Jerry. Rupert continuou vendo tudo em câmera lenta. Mesmo ele passando cada vez mais dos limites. E no final, tudo é vermelho. Sua roupa, seu espaço… ele chegou a glória, e ultrapassou o último limite.
Scorsese, principalmente nessa época, é um diretor fortemente inspirado na Nouvelle Vague. Vimos isso nesse filme e em Taxi Driver (1976). A filmagem na rua, com pessoas passando, trânsito, barulho, diálogos mais abertos e improvisados. A escola francesa marcou sua época por utilizar o ar livre, por ser mais barato. Não havia a necessidade de locar um estúdio, E assim se desgarrar do produtor, que era figura que os diretores da Nouvelle Vague mais criticavam. O diretor americano bebeu da fonte de Truffaut e Godard, e criou obras primas da Nova Hollywood. Taxi Driver foi o principal, mas O Rei da Comédia não fica muito para trás.
Que relação gostosa essa de Robert De Niro e Scorsese. Foram inúmeras parcerias no século XX, inclusive em Taxi Driver. De Niro é o ator que melhor lê e entende o que Scorsese quer dizer. De Niro foi perfeito em todos os filmes do diretor. E sinceramente, em O Rei da Comédia, ele fez um personagem muito original. Nunca vi nada parecido. A frieza, a falta de limites, a loucura… tudo foi expressado de maneira impecável. Seus sorrisos, gargalhadas, caras e bocas… ele carregou o filme muito bem. E apesar do personagem ser uma pessoa horrível, louca… nós ficamos com ele. Assistimos ele, rimos dele e até torcemos em alguns momentos. Isso é uma grande atuação. Isso é um grande personagem dirigido. Esse é Robert De Niro + Martin Scorsese.
E a cena final que nos deixou essa pergunta com a presença do vermelho… E aí?! Até que ponto você quer realizar seu sonho? Você está realmente convicto, de que fará qualquer coisa? Mesmo se invadir carros, estúdios, casas não resolverem… e aí? O que você faria depois? Está disposto a aceitar o vermelho?
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