Dirigido por: Vittorio de Sica
Antes de assistir qualquer filme, ou acompanhar um movimento artístico, temos que entender o contexto histórico. Ladri di Biciclette é o principal símbolo do Neorrealismo Italiano. Movimento criado justamente no decorrer da Segunda Guerra Mundial, que fazia oposição a estética de cinema fascista carregada de moralismo e positivismo, que não tinha absolutamente nada a ver com a realidade vivida naquele momento pela população. Os principais filmes do movimento, são justamente no pós-guerra. Alguns retratam acontecimentos do período bélico, outros relatam as consequências de todo aquele massacre. Resumindo: Vittorio de Sica, Luchino Visconti, Roberto Rossellini e até mesmo Federico Fellini, queriam dizer a verdade. Queriam se aproximar do povo. E isso revolucionou o cinema.
Ok! Esse movimento italiano não criou a verdade no cinema. Os diretores citados anteriormente, beberam da fonte de outro movimento: o Realismo Poético Francês. Que teve como um dos seus principais realizadores Jean Renoir. Mas, o movimento francês não chocou tanto quanto o italiano. Além disso, outros grandes movimentos se inspiraram nele: a Nouvelle Vague, o Cinema Novo Brasileiro e a Nova Hollywood. Considero que há um cinema antes e depois desses movimentos.
Todos eles têm em comum a realidade política/social/criminosa/amorosa. Em Ladrões de Bicicleta, tocamos mais na social.
Logo, somos apresentados a centenas de pessoas que estão em busca de um emprego. Todos os dias, eles falavam com o mesmo homem, que lhes atualizavam sobre a situação. Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani) é o sortudo do dia. Ele teria que colar cartazes. Para facilitar sua locomoção, era necessário uma bicicleta (objeto o qual ele não tinha). Muita gente se identificaria com a sequência seguinte, quando ele volta para casa informando a sua esposa a situação, e ela a soluciona penhorando alguns lençóis. Conseguindo o dinheiro, ele compra a bicicleta, e tudo é as mil maravilhas.
Seu filho, Bruno Ricci (Enzo Staiola) (outro elemento colocado nesses quatro movimentos, que não era explorado antes no cinema de produção em massa; as crianças) fica estonteante com a notícia. No outro dia, Antonio deixa seu filho no trabalho, e parte para o seu primeiro dia. Tudo estava indo muito bem, quando de repente, um ladrão roubou sua bicicleta. Ele e seu supervisor tentam correr atrás, mas não conseguem. Todo o resto do filme, se baseia na busca desenfreada de Antonio e seu filho, pela bicicleta.
O roteiro é maravilhoso! Chocante, revolucionário e imersivo. Tanto que foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, da edição de 1950 (Perdeu para Quem é o Infiel?, de Vera Caspary). Mas o filme em si é tão maravilhoso quanto. Os prêmios falam por si só (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, BAFTA de Melhor Filme, Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, Bodil de Melhor Filme Não Americano…). Porque essa película não foi só revolucionária em seu roteiro. Vemos também técnicas de direção, fotografia e direção de arte, que foram únicas para a época, que levantaram ainda mais a trama.
Notem! Antonio e Bruno estão em busca da bicicleta. Então, Vittorio de Sica enche os quadros de bicicletas. Em cada frame durante a busca, sempre vai haver uma bicicleta ou pneu à vista. Colocando inclusive uma dúvida na cabeça do espectador, que sabe o nome do filme. Logo, nos perguntamos: Quando eles vão roubar logo uma dessas bicicletas? Mas lembrem-se: Sica quer conversar com as grandes massas. E com certeza, ele não quer passar no seu personagem um ar desonesto. Ele continua em busca da sua bicicleta, comprada com seu dinheiro, na qual ele sabe até o número de série do chassi de cor. Mas a busca vai deixando Antonio cada vez mais revoltado e impaciente. Principalmente quando ele descobre a identidade do ladrão, e passa a cassá-lo. Então, o que Vittorio faz: tira as bicicletas da cena e coloca pessoas. Enche o quadro de pessoas (Principalmente na cena da igreja). Uma característica de direção, vista em muitos diretores famosos, principalmente em Martin Scorsese, é o intimismo. O diretor quer que você mergulhe na mente do protagonista. Ele quer que você saiba dos seus interesses, de seus medos, de seus amores… Colocar bicicletas e/ou pessoas no quadro, fez de nós um olho extra para Antonio. Nós queremos que ele ache a bicicleta primeiro, mas depois queremos que ele ache o ladrão e o quebre na porrada. E depois, voltamos para bicicleta. Após a caçada ao ladrão, os quadros se enchem de bicicletas de novo.
Nesse filme, há uma tragédia moral. Inclusive, Antonio, que não é um homem religioso, recorre até a uma vidente para encontrar o seu veículo. Virou quase um amor platônico. Olhem a construção personagem/roteiro: Positivismo ao catastrofismo, esperança à tristeza, trabalhador ao revoltado.
Ladrões de Bicicleta é, na minha opinião, um dos 10 filmes mais importantes da história. Beira a perfeição em várias camadas, além de ter inspirado inúmeros outros grandes roteiristas e diretores.
O cinema é e sempre será o lugar dos sonhos. Mas precisamos ouvir a verdade às vezes. É importante que hajam filmes esfregando a verdade em nossas caras, usando até elementos surrealistas e fantasiosos às vezes, como em O Homem Invisível (2020), Bastardos Inglórios (2009), A Árvore da Vida (2011), Matrix (1999), Requiém para um Sonho (2000), Mulholland Drive (2001)… por exemplo. Inclusive, Fellini, um dos grandes realizadores do período, foi um diretor das fantasias. Porém, seus filmes jamais se alienam. O cinema é um local de sonhos, mas também de aprendizado.