quarta-feira, 22 de março de 2023

Críticas - A MOSCA (1986)

Dirigido por: David Cronenberg

 

    Eis aqui mais um filme, de um diretor autoral. O canadense está entre os cineastas mais originais da história. Grandes realizadores transitaram no gênero terror e contribuíram muito bem. Stanley Kubrick (O Iluminado), Steven Spielberg (Tubarão), Ridley Scott (Alien - O Oitavo Passageiro). Mas poucos foram tão pungentes quanto David.


    Percebe-se sua forte influência no expressionismo alemão, principalmente em The Fly, que deu o início ao gênero terror no cinema. Nota-se muito da influência de Fausto (1926), dirigido por F. W. Murnau. E para a proposta de terror que David adota, essa fonte histórica do cinema é fundamental para ele beber. Sim! Há muito  do expressionismo alemão em seus filmes. Mas, David conseguiu criar seu próprio subgênero: O Body Horror.


    Tradução: Horror Corporal. O termo já se explica. O canadense é um gênio, em causar nojo, medo, angústia com o corpo. Claro! Com uma grande ajuda da maquiagem. O diretor explora muito bem essa característica em seus filmes, já deixando até uma pupila! Julia Ducournau, que explorou muito bem esse sub-gênero com Titane (2021).


    Em A Mosca, juntando o Body Horror, com os elementos do Expressionismo Alemão, criou-se uma agonizante história de terror e suspense. São muitos filmes de qualidade desse diretor, onde ele juntou esses dois “elementos” (Videodrome, Crash, Crimes do Futuro). Mas A Mosca, talvez seja sua obra mais famosa no mainstream. O público do cinema estava bem aberto a novas ideias nos anos 80. Filmes de comédia, ação e terror enchiam as salas.


    Citei Fausto anteriormente. Em The Fly, também somos apresentados a um cientista excêntrico e genial. Na cena inicial, sem arrodeios, somos logo apresentados ao cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) e à jornalista Veronica Quaife (Geena Davis). Ele tenta convencê-la de que, entre tantos cientistas naquela sala, ele era o que tinha a ideia mais revolucionária. Mas a jornalista logo perde o interesse, quando ele hesita em contar sua ideia. Porém, ele vai atrás dela e a convence a ir em seu laboratório. Percebemos que Seth está atraído por Veronica.


    Ao chegar no laboratório, notamos de cara que as coisas ruins acontecerão ali. A fachada escura e suja, nos dá esse sinal. Ao entrarem no lugar, levemente mais limpo, Seth toca piano. Como disse, ele está atraído por Veronica e não preocupado em lhe explicar sobre a experiência. Porém, a jornalista com seu tino, o induz a falar sobre o Telepod. Nada mais, nada menos que uma máquina de teletransporte. Certa da loucura do cientista, Veronica não acredita. Até que Seth demonstra o experimento. A meia-calça de Veronica é teletransportada de uma cabine para outra, diante de seus olhos. A jornalista, antes ressabiada, agora convencida da capacidade de Seth, liga seu gravador. Só que, antes que Seth falasse muito, ela precisava trocar a fita. O cientista vendo, logo se irrita, pensando que o interesse de Veronica era apenas pessoal. Eles se desentendem e ela vai embora. 


    Veronica, no dia seguinte, apresenta a gravação a seu chefe (e ex-namorado),  que não se convence da veracidade da experiência. E para sua surpresa, Seth a procura no escritório. Comendo um hamburger numa lanchonete, Seth explica mais educadamente a Veronica, o porquê de não permitir que sua ideia seja contada ao mundo naquele momento. Ele faz uma proposta: A jornalista deve acompanhar o andamento da evolução da invenção de Seth: Tentar teletransportar seres vivos. Pois, até agora, a máquina só conseguiu teletransportar objetos inanimados.


    Acompanhando a experiência, os dois acabam se apaixonando e tendo um caso. O que ajudou, inclusive, Seth a entender sobre “carne” e ensinar isso à máquina. Ele finalmente consegue teletransportar um babuíno, para a alegria de ambos e combinam de viajar, enquanto o babuíno passa por exames, para definir a segurança da máquina. Vamos dar uma pausa.


    Até agora, percebemos a minúcia no trabalho dos dois. Mesmo sabendo o nome do filme e que é um terror, nos perguntamos o tempo inteiro: como tudo pode dar errado, se tudo está dando certo? Ambos eram cuidadosos nos experimentos. Em que situação, Seth decidiria do nada, entrar em uma das cabines para se teletransportar e, acidentalmente, uma mosca acabaria entrando? Lembram que Seth estava começando a entender sobre “carne”? Há uma metáfora aqui. Fala-se da carne no sentido químico e no sentido psicológico. Seth estava aprendendo sobre como se relacionar com uma mulher. E algo que ele não havia conhecido, o ciúmes, vem à tona e desencadeia a pergunta feita aí em cima. Ele entra na cabine para se teletransportar, e uma mosca entra com ele.


    Já a noite, com a presença de Veronica, para surpresa do espectador, Seth saiu normalmente da outra cabine. Aparentemente, ileso. Só que, as mudanças começam a aparecer. Primeiro nas características de força física de Seth e depois… bom, estamos falando de David Cronenberg! A cada cena, vemos Seth se transformar numa mosca. E essa mudança gradual foi perfeita para a proposta do diretor. Imaginem como seria comum, se o cientista já saísse como mosca da cabine e passasse a se comportar como o inseto. Não era isso que David queria (e nem o escritor do livro que deu origem a adaptação do canadense, The Fly, de George Langelaan). David nos mostra a mudança gradativamente. Cena a cena, algo agoniante e nojento acontece. Como uma orelha caindo, ou a face de Seth espinhada, ou o cientista se alimentando, regurgitando o ácido no alimento para umedecê-lo, como faz uma mosca. Temos ali Homem, Homem-mosca e a Mosca. E só Cronenberg poderia nos mostrar isso, da maneira mais horripilante possível. É o gênio do Body Horror!


    Temos que aplaudir de pé, o trabalho incrível da maquiagem e penteados, óbvio! Merecidamente vencedores do Oscar! Sem eles, David não conseguiria atingir a sua proposta de nos causar náuseas.


    Guillermo del Toro, é outro diretor que bebe dessa mesma fonte de Cronenberg. Usando elementos do terror e do Body Horror. Mas, Del Toro está mais para a linha das feras. Ele usa a computação gráfica para criá-las. Por isso, afirmo com toda a certeza, que Cronenberg é o dono desse gênero. Lembramos do buraco na barriga em Videodrome (1983), as cicatrizes em Crash - Estranhos Prazeres (1996), os cortes e as costuras em Crimes do Futuro (2022)… Assistam! Mas com um remédio de enjoo do lado.


segunda-feira, 20 de março de 2023

As/ Os Notáveis: O mestre das odisseias

 Stanley Kubrick

País de origem: Estados Unidos
1928  - 1999
Prêmios e Festivais: OSCAR / GLOBO DE OURO / FESTIVAL DE VENEZA
Período(s): Era de Ouro de Hollywood / Nova Hollywood

    TOP 5

 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)

 Laranja Mecânica (1971)

 Barry Lyndon (1975)

 Dr. Fantástico (1964)

 Spartacus (1960)


    A Odisseia do homem e seus efeitos

  Poucos diretores na história do cinema, transitaram tão bem por variados gêneros, como o diretor norte-americano. O gênero guerra foi o mais explorado por ele: Glória Feita de Sangue (1957), Spartacus (1960), Dr. Fantástico (1964) e Nascido Para Matar (1987). Mas o que mais chama atenção em Kubrick, era como ele orquestrava de forma tão magnifica suas odisseias.

    A principal de suas odisseias, é sem dúvida 2001: Uma Odisseia no Espaço. O filme é tão bem feito e tão espetacular, que se fosse feito nos dias de hoje, também venceria prêmios. Um filme que trouxe vários itens para a cultura pop, como a I.A. Hal,  e que literalmente previu o futuro, como as ligações de vídeo, por exemplo. O roteiro é genial! Fazendo dupla com Arthur C. Clarke, Kubrick fez uma obra de arte a frente de seu tempo, ao ponto de ser pouco entendida pela crítica e público. O final não é um dos mais fáceis de entender. O filme como um todo, usa de uma linguagem futurista, que com certeza dificultou o sucesso do filme em sua época, mas que levou um resultado magnífico para as telas. Dos macacos, à super-nova... é a odisseia da relação espaço tempo/ser humano. O filme é colocado em várias listas, como um dos 5 maiores da história. Kubrick explorou outras odisseias além do espaço. Como disse, transitando em múltiplos gêneros, dissecou cada detalhe de cada faceta do ser humano. Principalmente pós 2001. 

    Anteriormente, ele nos entregou duas grandes histórias do gênero guerra, que era seu carro-chefe. Spartacus talvez tenha sido seu segundo filme mais grandioso. É um épico em sua essência, trazendo a clássica jornada do herói, repetida anos depois por Ridley Scott, em Gladiador (2000). Em 62, temos um dos filmes mais polêmicos do diretor. Lolita, adaptado do livro do autor Vladimir Nobokov, é uma história essencialmente polêmica. Porém, ver uma menina de 14 anos, sendo vista com desejo sexual por um homem mais velho, arrepia. Isso não deixa a adaptação menos espetacular. É um dos grandes filmes do autor, meio recanteado por conta das críticas. 2 anos depois, ele faz seu primeiro filme com toques mais surreais. Dr. Fantástico, traz uma situação distópica, no auge do Macarthismo. Sem dúvidas, foi um dos filmes que mais deixou o público pensativo nesse período importante da história da humanidade. O medo constante de um louco apertar um botão, e trazer ao mundo um apocalipse nuclear sem precedentes. Kubrick usou sua licença poética, colocando um homem cavalgando na bomba. Espetáculo. Fora que a cena final, do alemão se levantando da cadeira de rodas e fazendo uma saudação nazista, nos traz calafrios.

    Indo mais atrás, Kubrick tinha nos entregado um belo noir com O Grande Golpe (1956), chegando ao seu auge com o gênero, após seus dois primeiros longas da carreira Medo e Desejo (1953) e A Morte Passou Por Perto (1955).

    Mas foi com as odisseias, que de fato Kubrick virou esse monumento da história do cinema. Depois do espetacular 2001,  filme que revolucionou a sétima arte, não só com o roteiro e direção sem precedentes, mas principalmente com a direção de arte e efeitos visuais (supervisionado por Kubrick), ele nos traz a odisseia da violência, adaptando o espetacular livro, do autor Anthony Burgess, para um espetacular filme. Laranja Mecânica é um dos filmes mais importantes de sua carreira, porque de fato é o primeiro do diretor na Nova Hollywood, onde os diretores receberam mais liberdades criativas. É um dos filmes mais polêmicos da história, sendo proibido em vários países. Pois a tarefa de Kubrick, era dissecar a relação ser humano/violência. Então... temos um filme violento. Parecido com 2001 em alguns fatores. Temos uma direção de arte reproduzindo um futuro distópico, onde a violência e o sexo sem limites estava em voga na sociedade. É um filme espetacular, que gera discussão até hoje e orquestrado de maneira fina por esse gênio. As odisseias de 68 e 71 envelheceram e continuam envelhecendo muito bem. Em todos os sentidos. 

    Em 75, temos a odisseia da aristocracia britânica. E especificamente, como um homem "comum" poderia se instalar nela. Barry Lyndon não é um filme muito adorado pelos fãs do diretor. Mas é inegável sua qualidade técnica, figurinos e atuações. É um grande filme. Em 87, Kubrick decidiu fazer um resumão do gênero guerra, trazendo sua odisseia, como palco a guerra do Vietnã. Nascido Para Matar, é um dos filmes mais trágicos e desesperançosos de sua filmografia. Foi onde ele usou mais uma de suas grandes marcas: o humor ácido. É um filme sádico e assustador.

    Porém, o seu filme mais famoso e mais visto dentre todos, é sem dúvidas sua odisseia da loucura. O Iluminado (1980) é o primeiro filme do gênero terror do autor, e é um dos melhores da história do gênero. Kubrick captou do livro famoso de Stephen King, a loucura trágica do personagem Jack, espetacularmente feito pelo arrebatador Jack Nicholson, Ele roubou o filme para ele, como já é de costume. E trouxe exatamente o que Kubrick queria: um personagem mergulhando na insanidade.

    E sua carreira chega ao fim, com meu segundo filme preferido do autor. O filme onde ele pisou com toda a força no gênero surreal. A odisseia do sexo, De Olhos Bem Fechados (1999). Para mim, é o filme mais lindo do autor. Com Tom Cruise e Nicole Kidman entregando tudo, Kubrick analisou todos os meandros da relação sexo/ser humano. Explorando mais a questão da infidelidade masculina e seus efeitos. 

    No mesmo ano, Kubrick faleceu por uma parada cardíaca. Deixando de dirigir inclusive, um dos grandes filmes do início do século XXI, A.I. - Inteligência Artificial (2001), que acabou sendo dirigido, brilhantemente, por Steven Spielberg. Outro projeto que o autor tinha em mente, era o filme Napoleão, onde ele contaria a história do déspota desde sua infância.

    Acompanhar a filmografia de Kubrick, é dissecar boa parte da história do cinema. Um diretor fantástico, corajoso e desinibido. Extramente calculista em cada detalhe de sua direção, teve como marca principal os pontos futuros, como na clássica cena das gêmeas no fim do corredor.

 Filmografia

  • Medo e Desejo (1953)

  • A Morte Passou Por Perto (1955)
FESTIVAL DE LOCARNO (MELHOR DIRETOR)

  • O Grande Golpe (1956)
BAFTA (INDICADO A MELHOR FILME)

  • Glória Feita de Sangue (1957)
BAFTA (INDICADO A MELHOR FILME) / WRITERS GUILD OF AMERICA (INDICADO A MELHOR ROTEIRO DRAMÁTICO / ITALIAN NATIONAL SYNDICATE OF FILM JOURNALISTS (MELHOR DIRETOR ESTRANGEIRO)

  • Spartacus (1960)
OSCAR (MELHOR ATOR COADJUVANTE, MELHOR DIREÇÃO DE ARTE, MELHOR FOTOGRAFIA, MELHOR FIGURINO # INDICADO À MELHOR TRILHA SONORA E MELHOR EDIÇÃO)

  • Lolita (1962)
OSCAR (MELHOR ROTEIRO ADAPTADO) / FESTIVAL DE VENEZA

  • Dr. Fantástico (1964)
OSCAR (INDICADO À MELHOR FILME, MELHOR ATOR, MELHOR DIREÇÃO, MELHOR ROTEIRO ADAPTADO) / BAFTA (MELHOR FILME BRITÂNICO/GERAL - UN - MELHOR DIREÇÃO DE ARTE BRITÂNICO # INDICADO À MELHOR ROTEIRO BRITÂNICO,  MELHOR ATOR GERAL/BRITÂNICO) / DIRECTORS GUILD OF AMERICA (INDICADO À MELHOR DIREÇÃO) / WRITERS GUILD OF AMERICA (MELHOR ROTEIRO DE COMÉDIA) / NEW YOR FILM CRITICS CIRCLE AWARDS (MELHOR DIREÇÃO # INDICADO À MELHOR FILME, ROTEIRO) / HUGO AWARDS (MELHOR APRESENTAÇÃO DRAMÁTICA)

  • 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)
OSCAR (MELHOR EFEITOS VISUAIS # INDICADO À MELHOR DIREÇÃO, MELHOR ROTEIRO ADAPTADO, MELHOR DIREÇÃO DE ARTE) / NATIONAL BOARD OF REVIEW (TOP 10) / BAFTA (MELHOR DIREÇÃO DE ARTE, MELHOR FOTOGRAFIA, MELHOR SOM # INDICADO À MELHOR FILME) / DIRECTORS GUILD OF AMERICA (INDICADO A MELHOR DIREÇÃO) / NATIONAL SOCIETY OF FILMS CRITICS AWARDS (INDICADO A MELHOR FOTOGRAFIA) / DAVID DI DONATELLO (MELHOR PRODUÇÃO) / HUGO AWARDS (MELHOR APRESENTAÇÃO DRAMÁTICA)

  • Laranja Mecânica (1971)
OSCAR (INDICADO À MELHOR FILME, MELHOR ROTEIRO ADAPTADO, MELHOR DIREÇÃO, MELHOR EDIÇÃO) / FESTIVAL DE VENEZA

  • Barry Lyndon (1975)
OSCAR (MELHOR FOTOGRAFIA, MELHOR FIGURINO, MELHOR TRILHA SONORA, MELHOR DIREÇÃO DE ARTE # INDICADO À MELHOR ROTEIRO ADAPTADO, MELHOR FILME) / NATIONAL BOARD OF REVIEW / GILDE FILMPREIS (MELHOR FILME INTERNACIONAL)

  • O Iluminado (1980)
FESTIVAL INTERNACIONAL DE SAN SEBÁSTIAN

  • Nascido Para Matar (1987)
OSCAR (INDICADO À MELHOR ROTEIRO ADAPTADO) / NATIONAL BOARD OF REVIEW / GLOBO DE OURO (INDICADO À MELHOR ATOR COADJUVANTE)

  • De Olhos Bem Fechados (1999)
GLOBO DE OURO (INDICADO À MELHOR TRILHA SONORA) / FESTIVAL DE VENEZA

quinta-feira, 9 de março de 2023

Críticas - PARA MINHA AMADA MORTA (2015)

Dirigido por Aly Muritiba

 

  Quando pensamos em suspense, automaticamente lembramos de Alfred Hitchcock. Ele não criou o gênero (Pode-se dizer que os “pais” são os diretores do Expressionismo Alemão, e a mãe Lois Weber), mas com certeza, o diretor britânico foi o que melhor o desenvolveu. E, obviamente, nasceram pupilos à medida que os anos se passaram, que ajudaram o Suspense a se desenvolver ainda mais. Assisti muitos deles. Mas poucos me tocaram tanto no que diz respeito a esse gênero, quanto o filme do diretor baiano.

   Algo supra essencial nos filmes de suspense, para o diretor, é o controle das informações. O quanto devemos saber, a que momento devemos saber e como devemos lidar com isso. O melhor exemplo disso na filmografia de Hitchcock, é em Um Corpo Que Cai (1958), considerado o melhor filme do diretor. Nele, o controle das informações e as ações dos personagens são uma aula de Suspense. Aly Muritiba conseguiu não só repetir isso, mas aumentar a carga de suspense ao máximo com este filme.

  Somos apresentados a Fernando (Fernando Alves Pinto) e seu filho. A criança, o encontra dormindo sobre roupas de mulher. A partir desse ponto, a rotina de Fernando é exposta. Ele é viúvo. E em seu dia-a-dia, tudo é feito em prol de sua ex-esposa. As noites organizando suas roupas, o seu emprego fotografando mortos (foi assim que ele encontrou sua ex-mulher falecida), ele buscando objetos no antigo escritório de advocacia dela. O viúvo cultua a memória dela. Mesmo morta, ela é o centro da vida de Fernando. Mas ele encontra fitas VHS as quais Fernando ainda não tinha visto.


  Ao assistir, boom! Primeira informação! Um detalhe da vida dela é descoberto. A ex-esposa de Fernando, mantinha uma relação extraconjugal. Claramente transtornado, o viúvo decide ir atrás do amante dela. E a partir desse momento, eu me impressionei com a atuação do Fernando (Ator). Ele começa a agir com frieza, calma e tranquilidade. Contrastando com a raiva que ele estava sentindo por dentro. Fernando descobre o local onde o amante mora e que ele é casado e tem dois filhos. O viúvo os conhece na igreja da cidade. Logo depois, se apresenta para ele. E esse primeiro contato já conta com o primeiro momento de alta carga de suspense. Porém, Fernando não faz nada das coisas que borbulham em nossa mente. Pelo contrário. Ele aluga uma das casas do amante. 


  Ok! Amigos próximos, inimigos mais próximos ainda (O Poderoso Chefão). Aly mexe com nossa mente a partir desse momento de maneira genial. “O que Fernando vai fazer?”. Primeiro, a aproximação com a filha do amante. Fernando meio que a seduz, lhe oferece cigarros. “Então é isso! Ele vai atrair a menina!” Eis o momento: Ela entra na casa de Fernando, levando comida. Ele vai até a cozinha, enquanto a menina senta na cama. Zero diálogos! Para mexer ainda mais com a gente. Com seu jeito frio e lento, Fernando desliga a tv, senta ao lado dela… e… a manda sair. Essa é só uma das cenas de suspense incríveis desse filme. Mas não é a melhor.


  O amante está fazendo um serviço no quintal. Fernando vai até ele, no meio da noite. Eles conversam sobre relações conjugais, enquanto o viúvo trabalhava com uma pá. Uma… pá. As insinuações de Fernando no diálogo, juntas as informações que nós temos, transformou a cena num primor técnico! Note: A câmera não está parada. Há movimento, justamente para indicar a tensão da conversa. E a câmera segue os movimentos de Fernando que cavava, cavava. No ápice do diálogo, quando falavam de relações EXTRACONJUGAIS, Fernando pára de cavar, levanta a pá… e a põe atrás da cabeça. E o diálogo continua… e a tensão aumenta. “É agora! Ele vai matá-lo! Agora!”. O amante começa a descrever a esposa morta de Fernando… e aí… ele volta a cavar. Agora só com Fernando sendo filmado.  Nos dias seguintes, as tensões continuam, quando ele insinua mexer com a esposa do amante. Mais suspense!


   Aly Muritiba merece todas as felicitações por essa bela obra. Não fica em nada atrás dos clássicos hitchcockianos. Muritiba fez nossos corações baterem, pupilas dilatarem, ouvidos aguçarem, como todo filme de suspense deve fazer.


  Fernando Alves Pinto é conhecido por fazer ótimos filmes nacionais. Ele já havia atuado muito bem em 2 Coelhos, um ótimo filme de ação. Mas essa atuação neste filme foi sublime. Perceberam? Quando ele não tinha a informação de que sua falecida esposa mantinha relações fora do casamento, ele vivia para ela. Se apegava às suas roupas, suas fitas, seu cheiro… E, de certa forma, isso continuou após ele assistir aquela fita. Fernando se apegou a única coisa viva que havia sobrado de sua ex-mulher. Seu ex-amante e família. Ele continuava vivendo para sua amada morta.


Críticas - Anatomia de uma Queda (2023)

  Dirigido por Justine Triet Existe um subgênero no cinema, que já foi bastante explorado e nos entregou filmes marcantes. Questão de Honra ...